O título El invierno de los jilgueros (O inverno dos pintassilgos, em tradução literal) expõe o movimento migratório desses pássaros, que no inverno permanecem no deserto e na primavera se dirigem a lugares junto ao mar. Essa imagem do deslocamento, que encerra uma forte relação entre esses dois espaços, repete-se ao longo do livro, sem que para isso se configure como um eixo dicotômico. Ao contrário, ambos os espaços se dispõem em uma série de reflexões e metáforas poéticas que se disseminam ao longo da narrativa.
A obra, que transcorre entre 1975 e 1992, enlaça duas histórias que correm em paralelo e, posteriormente, se unem: a de Brahim e Olga. A narração inicia-se com o jovem Brahim que, na sua cidade natal, a portuária Al Hoceima, vê seu irmão Musa partir rumo ao deserto, recrutado por conta dos acontecimentos relativos à Marcha Verde (quando o governo do Marrocos implementa a ocupação do Sahara espanhol). Em seguida, numa espécie de segunda parte do romance, vemos como Olga assume a voz narrativa e nos conta sobre seu translado de Madri a Tetuán para tomar posse de seu posto de professora na Escola de Belas Artes. Ali, ambas as personagens se encontram, posto que Brahim partira a Tetuán para estudar artes na mesma instituição. Desse encontro nascerá uma intensa relação amorosa, que acabará abruptamente com a volta de Olga a Madri e a de Brahim para Al Hoceima.
A construção desses deslocamentos e a volta às origens dos protagonistas, que parecem mimetizar o movimento dos pintassilgos, se articulam a partir de uma conformação narrativa pautada pelo gosto pela frase curta, que ao mesmo tempo em que imprime um ritmo ágil à narração, convive com um olhar contemplativo, regido por uma forte e impressionante base sensorial.
Em El invierno de los jilgueros acompanhamos o cotidiano dos amigos e familiares de Brahim em suas vidas, que apesar de comezinhas, estão pautadas por profundas inquietudes com as quais o leitor pode se identificar. Nessa perspectiva, talvez uma das metáforas mais poderosas desse olhar sensível para o cotidiano seja a imagem da volta de Musa do deserto, esse lugar “mudo”, onde não há resposta “nem possibilidade para o diálogo”. Essa imersão na aridez desse silêncio culminará na loucura da personagem na última parte da obra, cujas passagens podem tocar de maneira indelével o leitor. Já na narrativa de Olga (talvez um pouco deslocada da poeticidade da parte anterior), vislumbramos como sua relação com Brahim estará ditada pela arte, pela música e pela contemplação do horizonte.
De maneira habilidosa, o autor filtra a luz e os odores dessas distintas situações e enfrentamentos, nas quais se destaca o cheiro de lavanda silvestre, que recobre os montes de Al Hoceima. Essa planta, que impregna os distintos espaços e corpos da narrativa, que atravessa os sentidos das personagens com seu aroma inebriante, evoca, em uma de suas acepções ancestrais em espanhol (“alhucemas”), a articulação deserto-mar que perpassa, física e metaforicamente, todo esse romance, merecidamente ganhador do XV Premio Málaga de Novela em 2021.
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