Leitor: Antonio R. Esteves
Apesar do manto de fumaça que cai sobre o tema, embaralhando a realidade, dados estatísticos mostram que o suicídio é uma das formas mais comuns de morte na sociedade contemporânea. Na Espanha, por exemplo, um levantamento recente mostra que em 2016 houve 3.569 mortes por suicídio. Representa quase o dobro de pessoas que perderam a vida em acidentes de trânsito (1890); doze vezes mais que os homicídios (292); 81 vezes mais que as vítimas de violência de gênero (44).
No Brasil não é diferente: nas últimas décadas vem se observando um crescimento ininterrupto nos casos de suicídio no país: em 2013, foram contabilizados 11.821 suicídios. Em termos relativos, em 2012, o país registrou um índice de 6,0 mortos por 100.000 habitantes. Trata-se de um índice menor que o da Espanha que foi de 7,6 mortos por 100.000 habitantes. São índices bastante altos, embora não se aproximem dos 11,04 mortos por 100.000 habitantes que constituem a taxa mundial e bem distante dos 29,1 mortos por 100.000 habitantes da Coréia do Sul, país que encabeça a lista. Mesmo levando em conta a relatividade desses dados estatísticos, a variação de um ano para outro não é muito significativa. Isso mostra que se trata de um grande problema que nem sempre tem sido tratado com a seriedade necessária, apesar dos diversos programas desenvolvidos tanto no âmbito global quanto no interior de cada país.
Em termos gerais, as sociedades seguem olhando o suicídio como problema alheio, que só ocorre em famílias e contextos desequilibrados. Mas não é assim: trata-se de um problema geral que ocorre em todos os contextos. E como tal não se pode deixar de ver nem posto de lado, por mais que as questões que abordam de alguma forma os problemas de saúde mental sejam um tabu no qual não se queira tocar.
Consciente da gravidade do problema na sociedade espanhola, Gabriel González Ortiz decide enfrentá-lo. Como jornalista especializado em informação judicial, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra, munido da experiência como membro da Comissão para Prevenção das Condutas Suicidas do Governo de Navarra, González Ortiz organiza o presente livro onde exorta os meios de comunicação a ocuparem seu papel na prevenção desse flagelo da sociedade contemporânea.
O livro está organizado em sete capítulos, uma introdução e um epílogo conclusivo. Parte da premissa de que os meios de comunicação são uma ferramenta importante nas campanhas de prevenção do suicídio e de que essas campanhas são imprescindíveis. O primeiro passo consiste na conscientização da necessidade de uma mudança radical frente ao tema. É o momento de se mudar o enfoque: não basta silenciar o suicídio nos meios de comunicação para evitar que as notícias atuem como incentivo ao ato. Os profissionais de comunicação devem trabalhar lado a lado com os agentes de saúde mental na análise dos fatores de riscos em matérias que tratem do suicídio. Há tempos que profissionais que trabalham na prevenção e familiares das vítimas solicitam que os meios de comunicação tratem do tema. Instrumentos tão importantes em matéria de prevenção e influência não podem seguir menosprezados. Outras causas de morte como acidentes de trânsito ou violência de gênero têm realizado uma atuação cerrada nos meios de comunicação como forma de conscientização tendo conseguido resultados positivos, fazendo diminuir o número de vítimas.
Os dois primeiros capítulos fazem uma análise das consequências negativas do silenciamento, demonstrando que as regras de como tratar o tema nos meios de comunicação estão obsoletas. Em geral, essas normativas seguem um documento da OMS titulado Prevenção do suicídio. Um instrumento para profissionais dos meios de comunicação, de 2000, tratando de uma realidade anterior à popularização da internet e considerando apenas os meios tradicionais (imprensa escrita, televisão, rádio e similares). Apesar de seu conteúdo ético adequado, suas recomendações já não têm, na era da internet, o alcance que tinham antes. As redes sociais atualmente ocupam o maior espaço na produção e divulgação de informação: não seguem normas éticas nem sofrem nenhum controle além da subjetividade de seus autores.
O terceiro capítulo reitera que há que se falar do suicídio. Não apenas por uma exigência dos especialistas, dos sobreviventes e até mesmo da sociedade. Mas, sobretudo, porque, queiramos ou não, com a popularização das redes sociais fala-se muito sobre o suicídio. E quem está tratando do tema não são as pessoas mais indicadas para isso. É a população como um todo que trata do suicídio com liberdade total, sem nenhum critério, com todos os riscos que isso traz. Compete, então, aos profissionais da comunicação, virem a público discutir e informar com o rigor e a responsabilidade que o tema merece. Não há prevenção sem informação e conscientização.
Os meios de comunicação e seus profissionais, apesar da perda de influência que vêm sofrendo, seguem sendo os aliados mais confiáveis para tratar publicamente da prevenção. Desse modo, seria conveniente distribuir mensagens de prevenção através desses canais para atingir a população geral antes que o indivíduo decida buscar informações por sua conta e encontre os milhões de resultados que pululam na rede e que nem sempre são os mais adequados ou aqueles de que necessita.
A partir do quarto capítulo, se discute diretamente a questão: a necessidade de falar sim do suicídio, superando os preconceitos do passado. O autor insiste em que falar de um problema é o primeiro passo para solucioná-lo. São apresentadas várias técnicas para abordar o tema do suicídio.
Em primeiro lugar há que se ter consciência de que há pessoas com problemas que podem ou não chegar a ter ideias suicidas no futuro e essas pessoas estão diluídas na sociedade. Portanto, há que se focalizar na sociedade como um todo. Os destinatários das campanhas de prevenção devem ser as pessoas mais vulneráveis, aquelas que apresentam ideias de fugir dos problemas através do suicídio. São apresentados em seguida, técnicas e procedimentos de como criar medidas de prevenção. Embora o suicídio siga sendo um tema tabu, e mesmo que as cifras sejam alarmantes, não há uma demanda social para que se aborde o problema. Este é o primeiro ponto a ser tratado.
Desse modo, é importante ter claro a quem serão dirigidas as mensagens de prevenção. Em primeiro lugar, devem ser dirigidas à população geral, tratando de aumentar a consciência social sobre a questão, discutindo abertamente. Os cidadãos devem reconhecer os signos de alarme para que essas mensagens possam surtir os efeitos desejados. Uma vez que o problema do suicídio vem sendo silenciado há muito tempo, se as pessoas o entendessem melhor se sentiriam mais cômodas para abordar o problema. Então a taxa de suicídios poderia ser reduzida. Em todo caso, os especialistas coincidem que as campanhas devem se concentrar em como preparar as pessoas para apoias pessoas com crises suicidas. Uma coisa é certa: seja qual for a metodologia utilizada na construção das campanhas deve haver a consciência de que os resultados devem ser esperados a longo prazo.
De acordo com o autor, campanhas bem sucedidas na sociedade espanhola devem ser tomadas como modelos. Uma dessas campanhas com resultados positivos, que abrangeu todos os meios de comunicação, incluindo redes sociais, foi a campanha de segurança no trânsito. Outra foi a campanha contra a violência de gênero, também ampla, que também vem tendo resultados muito positivos. São campanhas massivas e continuas como deveriam ser as campanhas de prevenção ao suicídio. O elemento mais importante delas, além da utilização das regras básicas do marketing social, que incluiria evidentemente a utilização das redes, é a vontade política que faria com que houvesse os investimentos necessários para levar a cabo tais campanhas.
O livro termina com uma citação do jornalista norte-americano David Bornstein, um dos referentes do movimento Jornalismo de soluções: “Devemos promover a saúde, não apenas atacar a enfermidade. Para fazer isso não basta saber onde está o problema. As pessoas precisam saber como os problemas podem ser solucionados e se eles estão sendo solucionados”. Em seguida, a exortação ao leitor. “Chegou a hora de aplicar estas premissas ao suicídio e começar a falar desse fenômeno nos meios de comunicação, com cautela e assessoramento, mas com decisão. As cifras anuais dessa epidemia silenciosa são insuportáveis e todos os agentes implicados não podem seguir sem se envolver diante de um fracasso tão evidente como sociedade. Erros certamente serão cometidos, mas talvez daí surjam os futuros acertos. Trata-se de um caminho longo, repleto de riscos e incertezas, mas todos somos obrigados a tentá-lo.”
As estatísticas mostram que a situação brasileira não é muito diferente da espanhola. Assim, acreditamos que a análise de González Ortiz e os caminhos que ele sugere podem ser aplicados a nosso país. A leitura desse livro deverá ser útil, e não apenas para os profissionais da comunicação, na conscientização da necessidade de uma luta séria, que envolva a sociedade como um todo, para solucionar o problema que apesar de tabu é muito sério.
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