Resenhista: Livia Deorsola
Por que os patos voam em forma de V? é um delicado e encantador livro criado pelo ilustrador e designer gráfico Pablo Caracol (Valencia, 1983). Em poucas páginas, o artista consegue abarcar mais de um tema: a relação com os mais velhos, o aprendizado herdado dessa convivência, a importância de bases sólidas nas quais se pode caminhar ao longo da vida e as lições que a natureza nos oferece. Tudo isso combinado com desenhos precisos e de grande beleza.
Paloma costuma passar as tardes com o avô, com quem aprende a observar os pássaros. São muitas as lições que se podem alcançar ao acompanhar seu voo, a forma como se organizam e como seguem adiante. Ver as coisas sob pontos de vista mais amplos é a lição número um, a da sabedoria. Diz o avô: “Paloma, aprenda com as aves, elas são sábias porque viajaram para outros lugares e porque seu voo lhes permite tomar distância das coisas e ver o mundo com perspectiva”.
As imagens são todas vistas de longe, estão abertas, e são pensadas desde um ponto mais elevado, mas não muito. O que se destacam são as pessoas a distância, pequenas, mas de tamanho suficiente para identificá-las. E ao contrário do que se poderia pensar ao pensar, as paisagens são todas urbanas, o que parece querer dizer que é no centro da cidade que a observação dos pássaros é mais difícil e revestida de novos significados, mas talvez mais necessária.
A um certo ponto, sugere-se que o avô de Paloma morre. Ela passa então a vagar sozinha pela cidade, e tudo o que vê, a forma como a enxerga, se altera por um instante, sendo marcada pela falta e pela desilusão. Mas como todas as coisas importantes, que criam raízes, logo a convivência com o avô e seus ensinamentos voltam a ganhar peso. No intervalo (assim que o avô sai de cena), as imagens acompanham o tom, tornando-se mais sombrias, ganhando colagens feitas com ilustrações realistas, rostos endurecidos e nervosos. Nesse momento, deixam de ser apenas positivas e passam a ser mais densas.
São flagras da vida moderna acelerada e com certa violenta implícita, o retrato de uma sociedade fortemente individualista e vinculada ao consumo imediato, capaz de desintegrar o indivíduo. “Eu me sentia como uma andorinha em meio a um bando de estorninhos”, diz a narradora, revelando seu deslocamento e estranheza. Paloma quer andar na contramão disso tudo, e esse é um processo que não a exime de sofrimento.
O que volta a iluminá-la são os ensinamentos do avô e suas orientações colhidas do comportamento dos pássaros: “Talvez eu devesse fazer como as aves e ir em busca de correntes mais cálidas ou de um vento favorável”, ela pondera. Os pássaros têm a desejada qualidade de terem o Norte fixo. E ela se recorda das palavras do avô: “Quando se sentir perdida, pergunte porque os patos voam em V. Talvez, quando você souber a resposta, encontrará a bússola que irá te guiar durante a época de ventos difíceis”. Então uma luz é lançada na personagem e, como não poderia deixar de ser, também nas imagens, que voltam a resplandecer, embora discretamente. Aliás, este é um livro de tom discreto, que fala baixo. Daí o incômodo de Paloma quando se vê afastada da calmaria.
Esta dupla conexão – com ensinamentos herdados e com a natureza – não é incomum na literatura para crianças. Mas Pablo Caracol alcança uma harmonia incomum entre o tom do texto, feito de fases muito curtas, as imagens e a mensagem em si, de liberdade e coragem, que gira em torno de uma pergunta quase retórica (que dá título ao livro), nos obrigando a olhar para dentro e para fora ao mesmo tempo. Talvez a busca desse equilíbrio seja o grande tema do livro.
Mais sobre o autor: Pablo Caracol é formado em belas-artes. Trabalha com escultura, fotografia e ilustração. Desde 2005 participa de diversas exposições individuais e coletivas. Obteve vários prêmios e menções com obras fotográficas e de ilustração. Atualmente combina a sua paixão pelo álbum ilustrado – área onde desenvolve projetos próprios – com a produção de painéis, publicidade e ilustração em jornais. É colaborador habitual de jornais como El Español, El País, La Marea, além das revistas Letras Libres, El Malpensante e Tiempo
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