Nascido em Badalona, em 1977, de pais oriundos da província de Jaén, Fran Toro Gutiérrez é um professor de história que decidiu dedicar-se às letras. Seu primeiro romance, Olivos de cal, vencedor do Premio Nacional de Novela Ateneo Mercantil de Valencia de 2019, foi publicado no ano seguinte. Desde então vem recebendo elogios da crítica especializada que tem identificado esse romance rural, de cunho realista e até certo ponto regionalista, com forte presença histórica, como um herdeiro da escrita do castelhano Miguel Delibes (1920-2010), um dos principais escritores espanhóis do século XX. O próprio Fran Toro se encarrega, em suas entrevistas, de minimizar essa comparação. O trato com o ambiente rural e sua austeridade através de numa linguagem seca e metafórica, poderia suscitar certa similaridade entre ambos, mas não basta para colocá-lo como herdeiro do escritor de Valladolid.
O ambiente de Toro, como ele mesmo reitera, tem origem em relatos orais de familiares e habitantes da região de seus antepassados, com os quais teve contado durante as inúmeras férias ali passadas em sua infância e adolescência. Ele procura retratar a região ancestral dos olivares da Sierra Sur, nos confins da província de Jaén, próxima aos limites com Córdoba e Granada, em torno de Alcalá la Real e uma série de pequenos povoados das redondezas, na primeira metade do século XX.
O romance conta a história da vida dura no campo de uma família local, numa trama que se tece de modo entreverado abarcando idas e vindas no tempo e no espaço, conforme o foco muda de acordo com as personagens.
No centro da narrativa, a história de uma mulher forte, Santa, nascida no começo do século, e suas conturbadas relações, com os senhores da terra, com os pais adotivos, o marido, os filhos e vizinhos, em uma região que durante a guerra civil resistiu de modo feroz aos nacionalistas e foi palco da atuação de um movimento guerrilheiro que só foi sufocado em 1947.
Apesar da presença das escaramuças entre os bandos envolvidos no conflito, dadas as vicissitudes do confronto na região, não se pode considerar Olivos de cal como um romance da Guerra Civil. Nele a contenda, que ocupa parte da narrativa, aparece como consequência de antigos problemas agrários e sociais da região, nunca resolvidos, latentes durante a República, no período
da guerra e depois, quando a ditadura franquista sufocou violentamente o núcleo guerrilheiro que atuava na zona.
O verdadeiro protagonista do romance, mais que os camponeses locais, que lutam para sobreviver cultivando seus olivares, pastoreando seus animais, tratando de arrancar o sustento daqueles terrenos áridos e pedregosos, sofrendo a opressão dos latifundiários e seus feitores, na verdade é própria terra, seca e hostil, como costuma acontecer nesse tipo de romance.
Os personagens são apresentados sem ordem lógica e suas histórias entram em cena através de diálogos ásperos na linguagem local, que alterna o silêncio com um vocabulário enxuto em que predominam termos da vida do campo. Imensas retrospectivas e monólogos têm que ser articulados para que se produza uma narrativa ordenada e cronológica capaz de dar um sentido à história que parece sempre querer escapar da racionalidade.
Merecem destaque os elementos fantásticos que bordeiam o insólito, resultado da visão de alguns personagens que parecem viver imersos em um mundo de delírio constante ou em uma realidade paralela àquela concebida racionalmente.
O romance não pretende ser maniqueísta e desse modo, seus protagonistas não são nem bons nem maus. Seus atos são resultado das tensões que vivem, dos papeis sociais que ocupam, da ideologia que os empurra a agir. No período da guerra, por exemplo, a violência explode de todos os lados. Tanto dos guerrilheiros que invadem as propriedades, sequestram os poucos bens dos camponeses, torturando-os em busca de abrigo e cobertura. Da mesma forma procede a Guarda Civil que na perseguição daqueles também se porta de maneira violenta, torturando e assassinando para conseguir informações. Entre os dois bandos, da mesma forma que entre os dois exércitos durante a guerra, os camponeses não sabem o que fazer para proteger suas escassas propriedades e suas vidas que acabam não tendo nenhum valor.
Antes da guerra, predomina o poder dos caciques locais, que se portam como donos não apenas dos bens de seus servidores, mas também de seus próprios corpos, como é o caso do filho do dono da propriedade, o “señorito” Carlos, que estupra Santa quase uma menina, sem que nada se possa fazer para reparar o crime, a não ser por meios insólitos, como o leitor toma conhecimento muitas páginas adiante.
Apesar do diálogo constante com a realidade mais dura e com fatos históricos, trata-se de uma narrativa plenamente ficcional. A ação se localiza em uma geografia perfeitamente localizável e identificada com seus nomes próprios. São aqueles povoados dos arredores de Alcalá la Real, bem conhecidos do escritor, cuja família emigrou de Ventas del Carrizal para a Catalunha no pós guerra, em busca de uma vida melhor. Mas a memória dos acontecimentos foi com eles.
Assim, várias páginas do romance se dedicam a reconstituir o episódio histórico do sítio ao Santuario de la Virgen de la Cabeza, em Andújar, durante a Guerra Civil, onde um grupo de guardas civis e membros da população local resistiu heroicamente, entre 14 de setembro de 1936 a 01 de maio de 1937, ao ataque das forças republicanas. Ao final, não restou nada mais que escombros e poucos dos últimos resistentes devorados pela fome. Entre os soldados que sitiam o Santuário, está o fictício León Sampedro, o marido de Santa.
Da mesma forma, dois dos célebres guerrilheiros locais são personagens do romance. Saído diretamente dos livros de história e do imaginário popular é José Poblador Colás (1904-1943), conhecido como Pancho Villa, anarquista que manteve a região de Alcalá com os republicanos e onde participou da execução de diversos “ricos, sacerdotes, falangistas e direitistas” locais. Ele é o responsável pelo fuzilamento, ficcional, de vinte e seis pessoas, na noite de 12 de setembro de 1936, ocorrido no Arroyo de las Parras, cujo relato abre o romance.
Outro personagem histórico com grande participação na trama é Tomás Villén Roldán (1903-1947), conhecido como Cencerro, mítico líder comunista local que uma vez terminada a guerra organiza um núcleo guerrilheiro que, contando com uma forte rede de contatos, resistiu até ser morto em 17 de julho de 1947, em Valdepeñas de Jaén, após der sido delatado por um de seus homens. No romance ele aparece como amigo de infância de Santa e, depois do final da guerra, dela recebe ajuda em suas atividades de guerrilha.
Desse modo, o romance, alternando fios reais e ficcionais, produz um belo retrato que esconde, por trás das belas paisagens dos olivares de Jaén, cenas duras e sofridas da história de uma parte pouco lembrada dessa Andaluzia profunda, quase sempre reproduzida de modo estereotipado e folclórico.
Antônio Roberto Esteves, junho de 2021
Jézio H.B.Gutierre, Professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. De 2001 a 2015 exerceu a função de...
LER MAIS
Pedro Pacífico, Em 2017, você começou a dar sua opinião sobre os livros que lia nas mídias sociais. O que a inspirou a dar...
LER MAIS
Genero
Inscrição ao boletim eletrônico
Click here
Bem-vindo ao site New Spanish Books, um guia dos novos...