Leitor: Rodrigo Petronio
Marta Peirano se define como uma influencer especializada em ciência, tecnologia e cultura digital. E define o ambiente das redes seria um “ecossistema definitivo para a vigilância e a manipulação de milhões de pessoas”. Seu trabalho como jornalista, pesquisadora e ensaísta tem sido identificar as “mudanças climáticas desse ecossistema virtual”.
Em 2015, Peirano publicou O pequeno livro vermelho do ativista na rede, com prólogo de Edward Snowden. O subtítulo: Introdução à criptografia pra redações, whistleblowers, ativistas, dissidentes e pessoas humanas em geral. Este se tornou um livro de referencia para net-ativistas e interessados em temas relacionados às redes, internet e poder. Esta sua nova obra, El Enemigo Conoce el Sistema: Manipulación de ideas, personas e influencias después de la economía de la atención, aborda o mesmo tema, mas com um aprofundamento maior e uma quantidade de pesquisa mais extensa.
A obra é dividida nas seguintes partes: Vício, Infraestruturas, Vigilância, Algoritmo, Revolução, O Modelo de Negócios, Manipulação. Inserida dentro de um dos debates mais importantes do mundo contemporâneo, a jornalista e pesquisadora Marta Peirano investiga em detalhes os atuais sistemas de controle mundiais baseados na informação e nas novas tecnologias. Isso demonstra o compromisso que a autora mantém com essa linha de investigação.
O título é inspirado em Claude Eldwood Shannon, um dos pais da cibernética, a ciência geral dos sistemas e da informação, criada em meados do século XX. A autora altera o sentido da frase. Para Shannon, quando um sistema passa a ser usado, um dia será decodificado e conhecido pelo inimigo. Para a autora, quem cria o sistema não compartilha as chaves de acesso com quem o utiliza e, portanto, os criadores dos sistemas sempre serão os inimigos. A economia da atenção, expressa no subtítulo, diz respeito a um novo ramo de investimento do capitalismo: a atenção contínua desenvolvida nos usuários da internet.
A parte Infraestruturas aborda o surgimento da internet e seu novo projeto colonizador de todo planeta. Mostra as articulações entre a cultura do self made man e do empreendedorismo como formadora dessa nova lógica informacional da tecnosfera. A parte Vigilância adentra os mecanismos sutis utilizados pela captura e a prospecção de dados dos internautas. Depois da “banalidade do mal”, identificada por Hannah Arendt a partir do caso Eichmann e do Holocausto, estaríamos ingressando agora em uma “banalização da vigilância”. Esta nova ditadura é baseada no mais soberano de todos os Estados: a nuvem. A China seria o primeiro modelo de um Estado que compreendeu a eficiência da ditadura digital desse novo mundo. Mas essa ditadura é financiada por oligarquias transnacionais. Não se restringe a Estados ou a governos A parte Algoritmo inspeciona o funcionamento desses números-padrões capazes de gerar modelos de comportamento, de pensamento, de consumo, de valores e de crenças. Em Revolução somos conduzidos a alguns princípios de criatividade, transgressão e de subversão desses sistemas, bem como a suas contradições. Em O Modelo de Negócios, Peirano reitera a força do sistema. E como alguns hábitos e costumes internalizados dizem respeito a um modelos de negócios da internet e das redes, que se expandiu para todo mundo.
Por fim, a parte Manipulação descreve a “máquina de propaganda infinita”. Baseia-se na premissa de que a máquina de propaganda criada por Goebbles para o hitlerismo foi assimilada pelos novos sistemas de desinformação e de controle das redes. E define assim sua visão: “A diferença entre propaganda e desinformação é que a primeira usa meios de comunicação de maneiras eticamente duvidosas para convencer o receptor de uma mensagem, ao passo que a segunda inventa a própria mensagem, que está desenhada para enganar, assustar, confundir e manipular seu receptor, que acaba por abraçar seus dogmas para se libertar do medo e acabar com a confusão”. Analisa o teor nocivo do WhatsApp e descreve os grupos secretos como a próxima fronteira de manipulação da opinião pública, dos indivíduos e das instituições.
A tese defendida pela autora? As novas tecnologias da informação, sobretudo as redes sociais, desenvolveram um vício, com processos de adição psicofísicos. O termo engajamento tem aqui um valor ambíguo. Refere-se ao poder emancipador das tecnologias. E também à quantidade de tempo em que cada pessoa dispensa na internet e se engaja naquilo que está sendo veiculado pelos aplicativos. Para tanto, Peirano atualiza as teorias da psicologia comportamentalista, em especial o behaviorismo de autores como Skinner e Pavlov. Vale-se de uma imagem: a Caixa de Skinner. Esta é a imagem de um experimento realizado pelo comportamentalista e testado em animais. Peirano expande a analogia e imagina a internet e as redes como sistemas similares à caixa, unindo behaviorismo e compreensão do comportamento humano dentro das redes virtuais.
Avaliação
A obra é excelente, bem documentada, bem escrita, extremamente oportuna. A reflexão sobre tecnologia, algoritmos e sistemas de controle é a reflexão por excelência do século XXI. Na verdade, é um tema para o qual estamos extremamente atrasados, pois o impacto dessas tecnologias sobre a vida de bilhões de pessoas ainda é desproporcional ao conhecimento mínimo que a humanidade tem do funcionamento desses sistemas aos quais alienamos nossas vidas.
Não por acaso, um autor como Yuval Noah Harari se tornou um fenômeno e um best seller mundial ao tratar de big data, algoritmos e vigilância. Mas Harari é apenas um dos autores dessa bibliografia que tem crescido de modo assombroso e gerado debate em todo mundo. Haja vista as obras essenciais de Shoshana Zuboff sobre “capitalismo de vigilância”, em consonância com algumas ideias de Peirano, o trabalho de Naomi Klein, dedicado à ascensão do “capitalismo do desastre”, que tem um dos seus braços as redes e a internet, e a obra que Evgeny Morozov publicou recentemente: Big Tech: A ascensão dos dados e a morte da política, obra fundamental, publicada no Brasil pela Ubu, e que analisa como as novas tecnologias estão destruindo as democracias em todo mundo e criando um poder paralelo sem precedentes.
Algumas resenhas na internet criticam o livro, definindo-o como uma obra manipulacionista. Discordo dessa leitura. A ênfase crítica sobre um determinado assunto tende a expandir o aspecto negativo desse assunto. Isso é natural e seria difícil ser diferente. Como sempre, o Brasil está superatrasado nesse debate mundial, havendo poucas, para não dizer quase nenhuma obra sobre este tema. O livro de Peirano é uma referência, e precisa ser traduzido e inserido no mercado editorial brasileiro o quanto antes.
Autora
Marta Peirano é jornalista. Fundou a seção de Cultura de eldiario.es, onde foi chefe de Cultura e Tecnologia e adjunta ao diretor. Foi codiretora da Copyfight e cofundadora de Hack Hackers Berlim e da Cryptoparty Berlim. Escreveu livros sobre autômatos, sistemas de notação e um ensaio sobre vigilância e criptografia chamado El pequeño libro rojo del activista en la red, com prefácio de Edward Snowden. Sua fala do TED intitulada “Por que me vigiam se não sou ninguém?” supera milhões de visualizações. Pode-se ver suas ideias em debates de rádio e televisão, falando de vigilância, infraestruturas, soberania tecnológica, propaganda computacional e mudança climática. Vive entre Madrid e Berlim.
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