Leitora: Livia Deorsola
O pequeno livro criado por Rocío Araya (Bilbao, 1982), Nina y Kike se aburren [Nina e Kike se entediam], traz um tema ao qual pouco se dá atenção nos dias de hoje, quando o assunto é o universo infantil: a importância dos espaços e tempos vazios na programação diária das crianças, dos momentos em que não há “nada para fazer”, nada específico que lhes seja oferecido para que suas mentes e corpos interajam, nenhum estímulo previamente escolhido para que elas se distraiam ou aprendam. Enfim, a importância do tédio. Ou daquilo que nos acostumamos a chamar de tédio.
Rocío, que, além de ilustradora, especializou-se em educação, cria uma história de poucos diálogos, em que os personagens principais – Nina e o amigo Kike –, desenhados de forma simples com lápis de cor, passam juntos horas sem ter o que fazer. Os desenhos têm os traços imprecisos, como se tivessem sido feitos mesmo por mãos infantis, e são preenchidos pela metade, de modo que a cor fica fora das linhas de contorno.
Os poucos diálogos e frases contribuem para que a ilustração ganhe força narrativa, num quase silencioso encontro que abre espaço para a imaginação e a desautomatização das crianças; imaginação cuja potência cresce justamente no vácuo do tédio. Sozinhos e sem a presença de adultos que lhes instiguem a todo momento, sem a farta programação que, na contemporaneidade, os pais costumam impor aos filhos, com atividades mil, que vão de aulas de idiomas a esportes, de entretenimento artificial a interações lúdicas por meio de brinquedos – isso sem falar da presença constante de tablets e celulares por onde jogos eletrônicos e filmes de toda espécie são acessados e desempenham o papel de verdadeiras babás eletrônicas –, Nina e Kike têm de encarar o “nada”.
Num primeiro momento, surgem brincadeiras triviais, como jogar aviãozinho ou imitar algum animal. Mas nada disso os satisfaz. E bate o... tédio. Eis que, sem que exista nenhum ritual ou portal mágico para isto (como no caso do buraco por onde desliza a Alice em direção ao País das Maravilhas, ou a viagem de Peter Pan e sua turma para Terra do Nunca), um mundo fantástico se abre ali mesmo, na sala de estar da casa doméstica. É então que os amigos flutuam de ponta cabeça, que o cachorro e uma joaninha ganham o mesmo tamanho, que um personagem todo verde, de chapéu, passa a atuar e a interagir com as duas crianças, e até mesmo um dragão aparece. Ou seja, o mundo real e o mundo da fantasia são apresentados sem delimitação, como se convivessem naturalmente. “Até que enfim nos divertimos”, é a conclusão da duplinha.
Nina y Kike se aburren anuncia, portanto, de modo delicado e cheio de graça, a importância desse tempo “vazio” na vivência infantil como motor privilegiado da imaginação, da reflexão, da percepção do entorno.