Leitor: Antonio R Esteves
Nunca se falou tanto em fake news, a disseminação de notícias falsas, como nos últimos tempos. Na última semana, o Senado Federal brasileiro aprovou um projeto de lei com o objetivo de coibir essa prática tão disseminada tanto nos meios de comunicação tradicionais, como nas redes. Agora, a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet vai para o Congresso Nacional para ser discutida antes de sua aprovação definitiva. Defensores da nova lei acreditam que ela poderá regulamentar o setor e coibir a prática exagerada e abusiva das notícias falsas. Para os mais críticos, no entanto, trata-se de um avanço contra a liberdade de expressão. A polêmica não é nova, as discussões são acaloradas e seu fim não está próximo.
Uma das mentes mais lúcidas e críticas na discussão do tema, Simona Levi é ativista digital e estrategista tecnopolítica. Coordena a plataforma Xnet, destinada a governos, grupos políticos, meios de comunicação de massas, corporações e grandes fortunas que constituem, em suma, os monopólios da manipulação informativa e restrição à liberdade de expressão.
#Fake you. Fake news y desinformación surgiu como relatório para a ação estratégica e legislativa da Xnet no âmbito do curso de pós-graduação em Tecnopolítica e Direitos na Era Digital da Barcelona School of Management da Universitat Pompeu Fabra, dirigido por Simona Levi e Cristina Ribas. Sua ideia básica é que o fenômeno das fake news em geral é usado como justificativa para restringir liberdades e direitos fundamentais. Nesse sentido, o livro pretende ser uma ferramenta defensiva contra a restrição das liberdades fundamentais dos cidadãos e, ao mesmo tempo, uma arma contra as novas formas de manipulação, mentira e falsificação.
O volume recolhe o resultado de pesquisas do grupo, oferecendo dados com o objetivo de desmontar os mitos que sustentam a onda de legislações que pretendem recortar a liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, apresenta uma ideia central: atacar o mal pela raiz, ou seja, concentrar a luta no lugar exato onde se forjam o discurso mediático e a propaganda. A estratégia é seguir o rastro do dinheiro: desmascarar quem financia o processo, trazendo à luz quem são os responsáveis pela emissão e viralização de informações sem as devidas garantias de veracidade.
Para reduzir a desinformação o que se necessita é uma democracia mais eficiente, menos tecnofobia e sem criminalização das liberdades. E, sobretudo, mais prestação de contas, mais fiscalização e menos impunidade. Mais vigilância aos meios de comunicação. Em suma: mais transparência democrática e um acompanhamento dos cidadãos sobre o que o poder diz e faz.
É necessário, enfim, criar um marco narrativo e normativo que desmantele o negócio da desinformação, acabando com a impunidade dos grandes fabricantes e viralizadores de fake news e desinformação, que não são outros senão os próprios governos, instituições, partidos políticos, meios de comunicação de massa, corporações, grandes fortunas e informadores influentes. Considerando que a internet permite o acesso democrático às ferramentas, deveria ser estabelecido como objetivo principal a transparência e a possibilidade de que qualquer pessoa, de forma aberta, possa realizar a verificação.
Escrito numa linguagem clara e acessível, o libro é bastante didático. Abre- se com uma introdução enfática (“Isto não pode seguir assim”), onde são apresentados os objetivos e a metodologia. Em seguida vem os seis capítulos que discutem o tema. Alguns desses capítulos são escritos por colaboradores, também membros do projeto.
O primeiro capítulo trata dos vieses na definição de fake news e desinformação. Já na definição pode-se notar o grande esforço de governos, de instituições, partidos políticos e meios de comunicação em camuflar a situação para preservar seus interesses. Na visão distorcida que em geral eles apresentam ao público não está previsto que na luta contra esses procedimentos tais instituições mudem seu comportamento monopolístico de sempre. Para perpetuar a assimetria de poder própria de uma época pré- digital, insistem que a solução está em controlar seus novos competidores, as corporações de conteúdos on line, tratando de criminalizar a tecnologia. Para silenciar o exercício do direito pleno, pretendem sempre criar uma legislação de controle das redes.
O livro não acha necessário diferenciar os termos “fake news”, de uso bastante generalizado, de “desinformação”, mais rigoroso, e por isso igualmente útil. O uso de termos excessivamente acadêmicos em âmbitos não acadêmicos acaba favorecendo os interesses dos monopólios informativos que se comportam como se o fake não tivesse relação com eles, quando na realidade se limitam a um abandono sistemático de sua responsabilidade de preservar a veracidade da informação.
O segundo capítulo, assinado por Guillem Martínez, membro do projeto, discute a propaganda, traçando uma breve história das fake news, da manipulação informativa e da desinformação. Destaca-se nessa narrativa, a análise da propaganda nazista, cujo diferencial foi incluir a cultura na construção da propaganda. Também se discute a manipulação da informação pelos regimes totalitários. O percurso desde tempos remotos até a atualidade pretende demonstrar que a ideia de que as fake news sejam um fenômeno recente já é em si uma fake news.
O terceiro capítulo entra no cerne da questão. Discute o fenômeno da desinformação como um negócio bastante rentável, reiterando a ideia de que os grandes produtores e viralizadores de fake news e desinformação não são outros senão os próprios governos, partidos políticos, meios de comunicação de massas, corporações e grandes fortunas. Nele estão recopilados exemplos dos grandes investimentos de partidos políticos e governos na indústria da desinformação em massa. Também se demonstra como funcionam as fazendas de robôs e porque não é necessário fantasiar com a longínqua Rússia para entender o cotidiano de seu uso por parte da classe política local. Todos esses atores são apresentados como grandes produtores de desinformação, sem meios termos, pois se trata de uma verdadeira indústria. Os sistemas de produção e propagação de fake news mudam em uma velocidade espantosa e estão em constante evolução. Não têm fronteiras: são um fenômeno mundial.
O capítulo analisa vários casos famosos de fake news, como o episódio da Cambridge Analytica (eleições norte-americanas de 2016), em um subcapítulo de Lorin Decarli. Também são analisadas, entre outras, as campanhas eleitorais do México de 2018 e da Espanha em 2016. As eleições brasileiras de 2018 merecem algumas páginas.
Na análise dos métodos da indústria da desinformação se esclarece como são usados os robôs, a inteligência artificial e o ruído nas redes. Emanuele Cozzo e Luce Prignano dedicam um subcapítulo às “Fakes news, polarização on line e filtros bolhas” Nele discutem a metodologia usada por Steve Bannon, o estrategista norte-americano, para quem a política é um efeito da cultura: para se mudar a situação política tem que se mudar a cultura. Ganha-se uma guerra cultural dividindo-se a sociedade em guetos ideológicos sem contato com visões diferentes do mundo. O passo seguinte é reconstruí-la de acordo com seu próprio ponto de vista para conseguir, desse modo, a hegemonia cultural. São usados, então, os mecanismos dos filtros bolha e uma propaganda baseada em dados que comunicam a cada um aquilo que deseja ouvir.
O capítulo seguinte discute o “fact-checking”, a verificação e os verificadores da informação e examina uma série de ferramentas e experiências relacionadas à questão. A verificação da informação noticiável e o desmentido de boatos é uma das atribuições fundamentais da profissão de jornalista. Atualmente, adquire grande importância localizando-se no centro do processo como a ferramenta ideal para combater as fake news. No entanto, a situação atual exige a criação de ferramentas que incluam novas formas de criação, amplificação e circulação da informação. O capítulo apresenta e comenta uma série de experiências bem sucedidas no campo da verificação.
O quinto capítulo, partindo da recomendação da ONU sobre o tema, faz uma retomada do marco legal europeu sobre notícias falsas e desinformação e discute sua adequação para lidar de modo eficaz com essa questão, sem avançar nos direitos fundamentais, como liberdade de expressão e acesso à informação. Analisando essa normativa, pode-se constatar a tendência paternalista que conduz a formas complexas de censura. Como contraponto pode-se pensar em outro tipo de recomendações mais democráticas e eficazes, que deveriam ser defendidas em todos os foros e parlamentos para mudar a narrativa e conseguir que a luta contra a desinformação marque o fim dos monopólios da mentira levando ao empoderamento da cidadania em seu direito de acesso à informação e o exercício responsável da liberdade de expressão.
O último capítulo reitera a ideia desenvolvida ao longo do livro: “contra a desinformação, mais democracia”. As propostas de como enfrentar as fake news reiteram a necessidade de responsabilizar e punir os grandes produtores de notícias falsas que não são outros senão os governos, as instituições, os partidos políticos, meios de comunicação, corporações ou pessoas cujas atividades impactam na sociedade, fazendo com que a viralização deixe de ser um negócio lucrativo.
Deve-se ampliar a capacidade de vigilância e de verificação da sociedade civil por meio de protocolos que permitam o acesso transparente à forma como se produz e se divulga a informação. A obrigação da verificação deve controlar e/ou punir os grandes produtores que difundem informações, digitais ou analógicas, e que oferecem serviços de comunicação quando essa divulgação é produzida por instituições ou mediante pagamento. Ou ainda, a reformulação das leis de transparência para que as entidades inscritas, os partidos políticos, fundações e entidades vinculadas ou dependentes deles sejam obrigados a publicar seus gastos de modo detalhado para que fique claro o que gastam em matéria de comunicação tanto on line quanto fora da rede, mesmo que digam que seus gastos seguem o marco legal.
Para concluir: o fenômeno das fake news e da desinformação, tão atuais, na verdade já existiam antes de se criar essas expressões. As políticas públicas e legislativas destinadas a lutar contra esses fenômenos, na verdade se dedicam a tentar cercear a liberdade de expressão daqueles usuários que usam a internet, quando os verdadeiros causadores desse fenômeno são os donos do poder, seja político, econômico ou dos meios tradicionais de comunicação, que são seus grandes beneficiários.
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