Resenhista: Livia Deorsola
Dicionário Cervantes é uma obra monumental. Alinhado à onda de dicionários de personalidades literárias, é um completo panorama sobre todas as circunstâncias e personalidades históricas, escolas, recepção crítica e artística, personagens, passagens de vida, lugares e obras que envolvem a grande figura que foi Miguel de Cervantes (1547-1616), considerado o fundador do romance moderno no Ocidente.
A bibliografia cervantina tem sido, ao longo dos anos e de tantas efemérides, exaustiva, mas poucas reúnem numa mesma obra todas as pontas – ao menos as que são conhecidas até agora – em torno do manco de Lepanto. Pela própria natureza do gênero, não se trata aqui de um estudo aprofundado de obra, ou mesmo biográfico, mas uma rede muito bem amarrada do que há de essencial na paisagem do autor. A compilação não cronológica põe em relevo as linhas de força de uma vida e obra inigualáveis, dando-lhe sentidos imprevistos quando se analisa uma por uma de modo a traçar um percurso errático, porém frutífero, dos termos que a compõem. Fica assim formada uma combinatória que muito enriquece os estudos feitos sobre o autor e que ajuda a um acesso mais rápido ao que lhe é fundamental. Vale dizer que se trata de uma edição que democratiza os conhecimentos sobre Cervantes, uma vez que facilita o alcance a seu cerne, que, em outras publicações, sim, já foi desmembrado e aprofundado.
No prólogo ao Dicionário, seu organizador Jean Canavaggio, biógrafo francês e ex-professor emérito de literatura espanhola na Universidade Ocidental de Paris Nanterre La Défense, avisa: a ideia não foi aportar novidades aos estudos cervantinos, e sim oferecer dados confiáveis, despojados das tão correntes lendas que circundam Cervantes, sobretudo no que tange às suas origens, amores e embates políticos e ideológicos, além de suas relações com homens de negócios.
A edição está composta de mais de 130 entradas e oferece, de viés, uma boa galeria de imagens em alta qualidade que ilustram algumas delas. Vai desde
“Acquaviva, Giulio”, cardeal que figura na dedicatória do romance pastoril La Galetea (1585), feita a Ascanio Colonna, e a quem Cervantes prestou serviço de camareiro em Roma, até “Viaje del Parnaso”, obra narrativa em verso publicada por Cervantes em 1614 em referência a Viaggio di Parnaso (1582), do poeta italiano Cesare Caporali, de Perugia. Entre uma e outra, estão as entradas mais esperadas: todas as obras e os principais personagens do autor. Em “Dulcinea del Toboso”, lê-se: “Dulcinea del Toboso é um paradoxo: celebrada por Dom Quixote e presença onipresente em todas as suas aventuras, nunca aparece como personagem nem tampouco se lhe dá voz, de modo que não chega a se converter em figura de pleno direito. Sua primeira menção pelo narrador ocorre no final do primeiro capítulo da Primeira Parte, quando o engenhoso fidalgo [...]”. Em Borges, se diz “De Jorge Luis Borges (1899-1986) conhece-se sobretudo Pierre Ménard, autor de Quixote. Concebido antes da última Guerra Mundial, é um dos textos que [...]”. Há ainda as entradas para José Martínez Ruiz Azorín, importante romancista espanhol que realizou uma grande viagem pelos lugares citados por Cervantes em Dom Quixote; Salvador Dalí, que desenhou o célebre personagem quixotesco; Goya, Strauss, Purcell, artistas embebidos pela obra do espanhol; Freud, Unamuno, Orson Welles, Foulcault e Thomas Mann, entre tantos outros pensadores das mais diversas vertentes que se deixaram atingir pelo raio criativo e humanístico de Cervantes; além de entradas mais generalistas, como “Bruxas e feiticeiras”, sobre as figuras que povoam vários textos cervantinos; entre muitas outras.
Importante dizer que há várias entradas sobre o entorno familiar do autor, o que ajuda a esclarecer passagens pouco conhecidas de sua vida e iluminam as pessoas que ajudaram a forjar a sua personalidade. Além disso, há as cidades por onde ele passou, as campanhas militares das quais fez parte e sua prisão em Argel. Também não poderia deixar de marcar presença sua formação intelectual e as características da Espanha de seu tempo. (Todos os termos citados nas entradas e que são, eles mesmos, outras entradas do dicionário, ganham um asterisco. Além disso há um índice ao final, indicando a página de cada uma das entradas.)
Dicionário Cervantes resume, com maestria, a fascinação que o autor de Quixote (obra que reúne grande parte das entradas) e das Novelas exemplares e suas peripécias exercem sobre seus leitores há mais de quatrocentos anos.
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