Leitor: Antonio R Esteves
Alicia Puleo, doutora em Filosofia e professora da Universidad de Valladolid, é uma importante intelectual na área dos estudos de gênero. Claves ecofeministas. Para rebeldes que aman a la Tierra y a los animales é um libro de alta divulgação. Apesar da leitura fácil, discute conceitos relevantes e convoca a uma ação efetiva, necessária para superar a insustentável situação de desigualdade de gênero ainda vigente. Lançado em 2019, esgotou-se rapidamente e mereceu uma segunda edição no início deste ano.
O libro se insere no contexto dos estudos da pensadora, nos quais Ecofeminismo para otro mundo posible, publicado em 2011, é um marco significativo. Preocupada com a desigualdade entre homens e mulheres, a pensadora vem se dedicando à análise dos mecanismos socioculturais que impedem uma sociedade mais igualitária onde homens e mulheres tenham direitos iguais e à discussão dos meios que a filosofia feminista oferece para superá-los.
A obra, nesse contexto, foge da apresentação árida de conceitos complexos e apresenta as ideias em uma linguagem acessível, sem, no entanto se valer de reducionismos simplistas. Não deixa de ser, no entanto, uma espécie de panfleto divulgador dos conceitos da autora, com uma estrutura didática que facilita a leitura e o entendimento mesmo para leitores não especializados.
Está dividido em quatro capítulos, precedidos de uma introdução e seguidos de um epílogo que mais que conclusivo é reflexivo. Inclui onze ilustrações, além das capas: são desenhos elaborados por Verónica Perales, artista também envolvida na defesa do ideário ecofeminista. Essas imagens trazem com frequência elementos das ilustrações de Enciclopédia de Diderot e D’Alembert, conforme esclarece a nota da página 163.
A introdução, titulada “Minha proposta filosófica de um jardim-horto ecofeminista”, explicita a ideia central do livro. A imagem do jardim é tomada do filósofo Epicuro de Samos que chamou de Jardim sua escola de filosofia e, rompendo as convenções e hierarquias, ele abriu suas portas ao ingresso de mulheres e escravos de ambos os sexos. Trata-se de um horto onde se cultivavam hortaliças e se discutia, entre outras coisas, a maneira mais sábia de se chegar à felicidade através dos pequenos prazeres da amizade, do intelecto e dos sentidos. Neste processo, a proximidade com a natureza era básica, bem como a vida em comunidade praticada por Epicuro e seus discípulos. O jardim-horto proposto pela autora, no entanto, não predica um isolamento do mundo, mas um compromisso histórico contra as formas patriarcais de insaciável vontade de dominação que conduzem à inevitável crise ecológica.
O primeiro capítulo fala de “Ecofeminismo, diálogo intercultural e sororidade”. A autora aponta a necessidade de um diálogo intercultural, que negue, entretanto, o multiculturalismo cego que não enxerga a intensa opressão patriarcal exercida em numerosas culturas tradicionais sobre as mulheres e as minorias sexuais. As trilhas do jardim proposto pela autora tecem laços de sororidade com a convicção de que o ecofeminismo é a consciência ecológica e social do feminismo do século XXI.
O segundo capítulo se assenta no princípio de que “nossos corpos são nossa liberdade”. Apregoa a necessidade de se lutar contra a possiblidade de que as novas tecnologias permitam a colonização dos corpos em uma busca insaciável de benefícios econômicos. O respeito à liberdade das mulheres deve incluir o princípio da maternidade como opção; a responsabilidade sobre essa criatura que viria ao mundo sem amor e a insustentabilidade do crescimento continuo da população mundial.
O terceiro capítulo trata da necessidade da valorização do cuidado da vida cotidiana, da saúde, da ciência, da tecnologia e da educação ambiental. A felicidade que esse novo mundo pretende deve estar assentada no cuidado, cuidado de si, cuidado dos outros. E cuidado é preocupação, atenção, proteção; é uma atitude, uma atividade livre quando surge do amor por algo ou por alguém. A universalização de uma ética do cuidado ecológico, pós- antropocêntrica e pós-gênero é uma tarefa pendente na educação e em nossa prática cotidiana.
O quarto capítulo sinaliza que dentro dos princípios do ecofeminismo os animais devem ser nossos companheiros de viagem. Essa forma de pensar enxerga uma conexão entre a dominação das mulheres e dos animais não humanos. Desse modo, a causa dos animais exige uma evolução ética e um salto qualitativo de consciência humana que o ecofeminismo deve incrementar.
As conclusões do trabalho, sintetizadas no epílogo, começam perguntando qual é o futuro para o qual nos dirigimos? Evidentemente o futuro é mistério, mas a autora faz algumas perguntas sobre as quais devemos pensar. Conseguiremos dar um salto evolutivo e alcançaremos uma sabedoria que nos permita conviver em paz com os demais seres vivos? Conseguiremos superar a hierarquização, a discriminação e a dominação de gênero-sexo? Seremos capazes de responder a tempo o desafio ambiental que é o maior problema que estamos enfrentando? Ou seguiremos no paradigma patriarcal de domínio até destruir a própria estrutura da nossa casa comum que é a Terra?
As mulheres querem se libertar de antigas e novas correntes. Como fazer isso? Não se pode fechar os olhos e fazer de conta que não se está enxergando a destruição. A saída é construir uma consciência crítica neste momento, particularmente delicado de autodestruição, mas também de esperança e oportunidades inéditas, dado o potencial tecnológico adquirido pela espécie humana. Na medida em que o ecofeminismo concilia princípios de ética ambiental e de sexo-gênero, o enriquecimento mútuo de ambas perspectivas permitirá construir uma cultura de igualdade e de sustentabilidade, capaz de salvar o planeta e transformá-lo em um lugar onde se possa viver em paz.
Nas linhas finais do livro, Alicia Puleo apresenta a nova Ariadne, rebelde, resiliente e empática, como sujeito do ecofeminismo ilustrado que ela propõe. Reivindicando a universalização da cultura do cuidado, essa Ariadne do século XXI luta por um presente e um futuro de paz.
E dirigindo-se ao leitor ela pergunta se ele estaria disposto a participar dessa luta para construir esse jardim-horto ecofeminista, um mundo pleno de igualdade e ecojustiça mais consciente e solidário.
E você, leitor, está disposto a integrar-se nesse projeto?
Jézio H.B.Gutierre, Professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. De 2001 a 2015 exerceu a função de...
LER MAIS
Pedro Pacífico, Em 2017, você começou a dar sua opinião sobre os livros que lia nas mídias sociais. O que a inspirou a dar...
LER MAIS
Genero
Inscrição ao boletim eletrônico
Click here
Bem-vindo ao site New Spanish Books, um guia dos novos...