O guatemalteco Eduardo Halfon tem uma trajetória irregular pelo mercado brasileiro: seu livro de contos O boxeador polaco foi lançado em 2008 pela editora Rocco, como parte do selo Otra Língua, que, como o próprio nome já sugere, serve de mediação entre Brasil e autores hispano-hablantes. Porém, mais de dez anos se passaram até que Halfon voltou a ser publicado no país, com Luto, pela pequena e corajosa editora Mundaréu, cujo catálogo impressiona pela curadoria. Ambos os livros trazem algo em comum, embora de formas diferentes (contos vs. narrativa longa): são elaborações literárias de memórias, um tanto na linha do estilo que consagrou Annie Ernaux.
Un hijo cualquiera, livro mais recente de Halfon, encontra-se, quiçá, em outra categoria ainda: aquilo que no Brasil seria chamado de “crônica”. Mais uma vez, estamos diante de elaborações literárias de memórias autobiográficas, mas sem a necessidade de seguir uma estrutura mais tradicional, permitindo-se capturar retratos cotidianos do passado.
A linha que une todas as histórias é a paternidade. O livro abre com um texto sobre o momento em que Halfon considera ter se tornado pai, isto é, quando precisou tomar uma decisão que afetaria a vida de seu filho: circuncisar o bebê ou não. Assim, Halfon anuncia outro tema subjacente a boa parte das crônicas aqui compiladas: o judaísmo. O avô de Halfon, salvo por um boxeador polonês do campo de extermínio de Auschwitz – tema do livro de contos citado acima – reaparece, assim como o pai de Halfon. De certo modo, o judaísmo aparece na obra do autor como uma força transgeracional, ressaltando a importância da memória e de transmitir a experiência ao filho.
O tema ressurge em momentos inesperados, como na crônica sobre a leitura Fome, do Prêmio Nobel Knut Hamsun. Halfon descreve o exemplar que leu, caindo as pedaços, onde cada página se desagregava com a leitura; assim, ele corre para terminar o livro, hipnotizado pela incrível prosa de Hamsun. É só depois que Halfon descobre que Hamsun foi um colaborador ativo e entusiasmado do partido nazista. O que fazer diante das palavras excelentes criadas por monstros? Este dilema, recorrente na literatura latino-americana (ver: Bolaño e Zambra), ressurge com força dado o contexto do livro Un hijo cualquiera, no qual a identidade judaica é um tema latente.
O genocídio também está presente em um dos textos mais longos e pungentes do volume: “Beni”. Nele, Halfon reconstrói a história muito esquecida dos kaibiles, soldados de uma milícia guatemalteca que perpetrou todas as formas de violência possíveis durante a guerra civil. Ter que conviver com esta pessoa, um ex-soldado que trazia inúmeros cadáveres no seu passado, parece dialogar com o mal-estar da leitura de Knut Hamsun.
Un hijo cualquiera é ao mesmo tempo um livro panorâmico, de interesses e focos diversos, e um conjunto delicado de excelentes textos que acompanham o mesmo fio narrativo: a transmissão da experiência de vida, dizível ou indizível.
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