Ás vezes, a ficção supera a realidade, como o desaparecimento de uma escultura em aço de 38 toneladas – Equal – Parallel: Guernica – Bengasi, de 1986 –, de Richard Serra, do Museo Reina Sofía, em 2006, quando se tentou trazê-la de um depósito, onde esteve guardada durante anos. Mas, como se isso não bastasse, Juan Tallón, parte desse fato inacreditável para construir Obra maestra, misto de ficção e reportagem em torno da obra, seu desaparecimento, a repercussão e desdobramentos disso.
Assim, em relatos curtos, em primeira pessoa, do artista Richard Serra, da diretora do museu, de outros profissionais da instituição e profissionais que atuaram na confecção da obra, jornalistas e personalidades do mundo da arte (como Philip Glass e Jean Nouvel), seguranças e autoridades, a obra e o fato são vistos a partir de vários pontos de vista. O que é a obra de arte, o que é original, o que é cópia, a questão da autoria, como a obra de arte é vista da perspectiva de quem convive com ela ou tem um contato esporádico, são temas que percorrem o romance, atravessando tempos e espaços diversos, entre a confecção da obra, sua exposição no museu, seu desaparecimento e a localização de uma cópia. Se na vida real, de fato foi feita uma cópia reposicionada no museu, na ficção, a cópia encontrada é posta em dúvida. Os envolvidos direta ou indiretamente nos fatos constituem um mosaico (ou coral) de quase setenta vozes.
Entre fragmentos de textos jornalísticos e depoimentos fictícios, o livro situa-se também entre o relatório ou dossiê, o ensaio e a crônica. Tudo isso sustenta a intriga e mantém o suspense, entre pistas, revelações, hipóteses e comentários inesperados. O artista Isidoro Valcárcel Medina aparece no livro com um breve comentário que sintetiza o fato e o enredo: “La obra maestra es robar la escultura de Richard Serra, no hacerla” (p. 74).
O estatuto da arte contemporânea é posto na berlinda, assim como o processo de criação, a fruição, o artista e as instituições de arte. O caráter monumental e sua materialidade vistos em torno da questão da presença/ ausência e temas relacionados ao mercado de arte tangenciam também a relação entre arte e política, arte e cotidiano, arte e sociedade.
No que se refere à estratégia narrativa propriamente, a sucessão de vozes e pontos de vista mimetiza o percurso do espectador em torno da obra de arte, põe em questão a crítica de arte e até mesmo a autoria do texto literário. O autor se vale da mesma estratégia do artista ao estruturar a obra-prima como dependente de várias mãos, um romance conceitual, em contraponto à arte conceitual. Também põe em dúvida o conceito de ficção ou a veracidade do texto jornalístico e até mesmo os limites entre ficção e realidade.
Ao deixar o final em aberto, o romance mimetiza o caráter inconcluso da investigação policial e a impossibilidade de saber o que de fato ocorreu. Por mais que haja uma forte possibilidade de afirmar sua destruição, o fato de não haver provas fortalece a ficção e transforma a obra-prima em obra aberta.
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