La barca de Hanielle não nos conta uma história nova, infelizmente, já que vivemos na era dos refugiados desde o século passado e, sabemos, essa era só tende a acirrar-se. No entanto, embora a novidade não esteja no fato, ela se encontra em como se escolhe contar algo que nos aflige a todos e isso sim é delicado e cuidadoso na obra.
A partir da ideia de estampar em suas páginas uma viagem tranquila de navio rumo a um certo destino, a suposta travessia serena ganha contornos de perigo, incerteza e angústia através da lupa que nos é oferecida como um acessório que se torna imprescindível, afinal, com ela vemos a viagem de Hanielle e sua mãe como realmente é: não se trata de uma viagem pacífica em um navio, mas sim de uma travessia perigosa e precária dentro de um bote abarrotado.
É curioso como a lupa de película vermelha nos remete a um gesto de exceção: sempre utilizamos uma película protetora para ver, de tempos em tempos, o eclipse solar. O sol sendo encoberto pela lua, que “cega” a claridade do astro rei. Aqui, o movimento é similar e inverso ao mesmo tempo: as ilustrações alegres, aquareladas nos “cegam” em sua superfície cromática, mas, ao serem visualizadas pela lupa, ou seja, agrandadas em sua realidade, nos retiram da cegueira cotidiana e nos confrontam com uma realidade dura que devemos encarar e olhar atentamente, a do deslocamento forçado.
Dessa forma, La barca de Hanielle funciona como um exercício do olhar cotidiano para a era que seguimos vivendo, de deslocamentos, desterros, conflitos e travessias e que aqui nos coloca na pele de uma criança e em sua imaginação aparentemente dual: navio/bote, travessia calma/insegura.
E dessa imaginação fértil nos resta o movimento ativo contra a anestesia diante do sofrimento alheio, de suas condições precárias, contra as quais devemos reagir.
Portanto, trata-se de uma obra sensível e necessária em tempos sombrios presentes e vindouros.