Numa época dominada pela pressa, pela superficialidade e por uma cultura de competição e trabalho frenético, este livro ilustrado convida à sabedoria antiga, à vagarosidade e à cooperação generosa, além de falar sobre insubordinação pacífica.
O camaronês Boniface Ofogo reescreve um conto tradicional africano em que a tartaruga é vista como a mais sábia dos animais. Num tempo antes do tempo, a humanidade e os animais viviam juntos num povoado, convivendo e até dançando juntos. Porém, os humanos foram ficando cada vez mais orgulhosos, achando-se mais inteligentes e capazes, e muitos começaram a maltratar os animais, acusando-os de serem a fonte de todos os seus males, matando-os para servirem de alimento, dominando-os, enfim.
A tartaruga é a primeira a perceber isso e, após uma assembleia dos animais, três representantes são eleitos para falar com o conselho local – o qual era formado apenas por humanos. Seu apelo é negado, com os humanos dizendo que os bichos existem apenas para servi-los, e então os animais se rebelam e decidem deixar o povoado e ir para a floresta. Diz o conto que foi nesse dia que ocorreu a separação entre humanidade e reino animal.
Porém, como sempre eram alimentados pelos humanos, os animais não sabem como conseguir comida. Decidem buscar o conselho da serpente, que, diz a tartaruga, nunca conviveu com humanos, por temê-los e por sentir-se fora de lugar, já que não tinha patas nem pelos. Logo cada um dos animais se dispõe a ir atrás de sua colega rastejante, mas, na pressa de voltar com a notícia – deveriam, revela a cobra, comer plantas, beber água e dormir muito –, todos tropeçam e perdem a memória, retornando sem ter o que dizer. A tartaruga então se dispõe a ir e, embora demore muito, anos até, consegue voltar e, com a instrução trazida, salvar o reino animal.
É interessante perceber como, na contramão do mito bíblico de Adão e Eva – no qual a serpente introduz o mal ao mundo e a humanidade é instada a dominar sobre os animais –, nesta fábula o mesmo animal é o responsável, através de seu conselho e experiência, por salvar um reino animal que se recusa a ser subjugado pelos seres humanos. As ilustrações coloridas e serenas de Rebeca Luciani nos transportam direto para essa selva mítica.