Dividida em “fólios”, à maneira de uma longa confissão, Lux nos conta em paralelo a história de Marcelo Mosén, um professor de Direito com forte formação humanística, que ao perder o filho durante a pandemia, divorcia-se e, num curto espaço de tempo, se vê desempregado e despejado; e um partido de extrema direita, que dá nome à obra.
Em meio a essa queda livre pessoal, Mosén abraça os ideários de Lux, um movimento/partido populista que chega ao poder ao apelar para sentimentos e ações intolerantes (misóginas, sexistas e machistas) de seus cidadãos.
Marcelo, do alto de seu desejo por justificar-se a si e a Lux, se dirige à mãe de David, um ex-aluno seu. David, saberemos ao longo da narrativa, havia sido capturado, torturado e assassinado pelo regime de extrema direita Lux, que tomara o poder em um país chamado Espanha por vias democráticas num contexto pós-pandêmico.
À medida que a narração avança, acompanhamos a ascensão e queda de ambos: de um lado está Lux, que se acerca ao poder num primeiro momento através de alianças com o centro-direita e que chega definitivamente ao poder à custa de um discurso amparado por seu “Escudo pela moral”, em que o lema “ficar de pé em meio às ruínas” conforma todas as ações em prol dessa suposta moral: perseguição a imigrantes, negros e homossexuais. Ações que se acirram ao ponto de culminar nas “caças” às sextas-feiras (tão próximas às marchas nazistas), tortura e desaparecidos.
Do outro lado está o fato de que a estridência de tempos de violações dos direitos humanos e de discursos que justificam tais violações (e qualquer coincidência não é mera ficção) venham justamente desse professor que com calma, recursos de retórica, neologismos, arcaísmos e lances de erudição tente nos convencer da idoneidade de Lux.
Também é curioso o itinerário da aderência desse professor (que recalca sua sensibilidade a todo momento) a um regime totalitarista a partir de suas perdas, como se a perda fosse o vetor definidor da figura de um homem comum naquela Espanha pós-pandêmica.
Sem dúvida, esse panorama, que o romance constrói milimetricamente, assemelha-se ao horizonte precário que todos presenciamos na realidade circundante, em que miséria e rancores profundos são destilados todos os dias homeopaticamente de distintas formas e meios.
Mas, à revelia dos argumentos desse narrador que pretende justificar-se a todo custo, a obra indica uma saída, pois as mães, cujos filhos desapareceram durante o regime de Lux, tomam as rédeas da contestação e ao estilo das obstinadas Mães da Plaza de Maio, alcançam a derrocada do regime (por mais que o narrador se ponha a relativizar a veemência e o papel dessas mulheres “histéricas”).
E nessa mistura de cinismo e suposta reflexão lógica se revela uma escritura em que o narrador assume o controle em uma cadência rítmica calculada e quase cinematográfica: imagens e palavras muito bem escolhidas nos lançam nesse mundo entre o verossímil e o profético, em que a perda assola um tempo e um espaço e em que vemos desatar-se o nó de ressentimentos acumulados, canalizados em redes sociais em uma era em que se compartilha extensamente “bílis, ira e temores”, que o romance explora à exaustão e de maneira exemplar. Sem dúvida, uma obra que nos interroga sobre muitas das questões prementes nos dias de hoje.
Jézio H.B.Gutierre, Professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. De 2001 a 2015 exerceu a função de...
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