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Título: No
Autor: Saïd El Kadaoui Moussaoui
Leitor: Antonio R. Esteves


Em pouco mais de duas centenas de páginas, um espanhol de origem marroquina, ou um marroquino criado e educado na Espanha, ao chegar à crise dos quarenta anos, relata e discute, como se fosse uma longa carta ou uma sessão de terapia, seus principais dramas. Cada um dos fragmentos curtos é introduzido por um elucidativo título em maiúsculas e se articula com os demais produzindo um relato de leitura ágil, apesar de fragmentado, no qual se explicitam seus grandes traumas de macho em crise.

Serão as negativas, magistralmente sintetizadas no título, das facetas de uma realidade que o narrador protagonista nega-se a aceitar. Mas, pelo menos, propõe-se a discutir. Uma dessas negativas é não suportar a chegada da idade e a degradação do corpo, uma vez que se trata de uma espécie de viciado em sexo que, ao mesmo tempo, não quer se prender a uma única mulher nem pretende ter filhos. Não nega sua origem marroquina, mas se nega a aceitar o islamismo radical com suas normas que aprisionam os indivíduos. Não pretende deixar de ser marroquino, mas não tem intenção de regressar ao Marrocos: quer pertencer à Europa. E assim a lista das negativas poderia seguir.

Como o próprio narrador sintetiza na última página do romance, os temas discutidos são o sexo, o conflito entre a dupla identidade marroquina e europeia, os amigos, a família e, sobretudo, a escrita, a literatura, a docência. Ocupa um lugar de destaque sua relação com Mayte, a namorada-amante espanhola, e o filho que, negado num primeiro momento, faz-se realidade no final da história. Sua negativa em ser pai decorre tanto da relação espelhada com o pai marroquino típico quanto de outra relação mais complexa ainda, a negação da passagem do tempo. Ela acaba sendo vencida pela persistência de Mayte que, desejosa da maternidade, engravida disposta a assumir a criança sozinha. No final, sabe-se que ela está grávida há quatro meses. Será um menino, filho mestiço de duas culturas, como se fosse a superação das negativas do narrador, embora não seja a síntese da discussão do tema de sua inserção definitiva na cultura espanhola.

Com boa dose de autoficção, uma vez que o narrador protagonista bem poderia ser o próprio escritor, o relato é bastante metaficcional. O diálogo, a todo instante, se faz com as duas especialidades do escritor-jornalista: a psicologia e a literatura. Ao longo da narrativa temos um escritor em crise diante da página em branco, crise que, no entanto se supera, uma vez que ao chegar às últimas páginas, o leitor se dá conta de que está diante do livro-terapia prometido ao interlocutor explícito, um psiquiatra amigo do escritor que regressou ao Marrocos, a quem se destina a confissão terapia prometida um ano antes. No entanto, o papel desse interlocutor é ambíguo, uma vez que, se por um lado temos a presença explícita do amigo marroquino, por outro, toda a discussão, na forma dos simpósios da literatura clássica, é feita com o próprio leitor, durante o processo de leitura.

Nesse sentido, o livro discute e dialoga com uma série de escritos que tratam da construção da identidade por parte de imigrantes e transeuntes, físicos e culturais. Essa biblioteca, com a qual o escritor dialoga, mais que literária é cultural. Inclui tanto nomes da literatura e cultura magrebina e muçulmana quanto nomes canônicos da literatura e do pensamento ocidental. Tal lista e os procedimentos básicos do relato aparecem explicitados em uma página incluída ao final do romance, uma espécie de apresentação do escritor. Aí temos o escritor britânico, de origem paquistanesa Hanif Kureishi (1954); o pensador palestino radicado nos Estados Unidos, Edward Said (1935-2003); o escritor marroquino Mohammed Choukri (1935-2003) e o pensador argelino Mohammed Arkoun (1928-2010). Pelo lado ocidental, encontramos o pensador italiano de origem judia Primo Levi (1919-1987) e o escritor norte americano, também de origem judia, Philip Roth (1935). O trânsito entre espacialidades, línguas e culturas é o ponto comum em tais pensadores. A transculturalidade e o hibridismo são também a marca de suas escritas, tecidas no entrecruzar da discussão filosófica, científica e artística, sem se ater a um gênero textual fixo. Esses são os mestres reconhecidos de Saïd El Kadaoui Moussaoui, principais nomes da vasta biblioteca explicitada no romance.

Tal biblioteca, no entanto, é bem mais ampla. Inclui referências a escritores e intelectuais como Malika Mokkedem, Salman Rushdie, Fátima Mernissi, Abdellatif Lâabi, Boudlen Sansal, Driss Chraïb, Mohamed Al Yabri, Abdellah Laroui, Wedhdi El Fitahi, Azar Nafisi, representantes de largo espectro das culturas muçulmanas, árabe ou não, escritas em diversas línguas, às vezes europeias, especialmente inglês ou francês. Nomes europeus ou clássicos da literatura ocidental aparecem menos: Freud, Derrida, Brecht, Victor Hugo, Vargas Llosa, Todorov, García Márquez, J. M. Coetzee, entre outros. Chamam a atenção o escritor japonês Haruki Murakami, artistas como os norte-americanos Sidney Poitier e Thelonious Monk ou os escritores norte-americanos Percival Everett e Ralph Ellison, entre outros. É digna de menção a falta de nomes da cultura espanhola, representada quase que unicamente pelo pensador Ortega y Gasset ou pelo pintor Goya. Também as mulheres são pouco citadas, com exceção das escritoras Azar Nafisi, Fátima Mernissi ou Malika Mokkedem. Estas duas últimas intelectuais magrebinas, no entanto, são objeto de estudo mais de Mayte, especialista na literatura dessa região, que do próprio narrador protagonista.

Mayte, a noiva-amante do protagonista, funciona como uma espécie de âncora em sua vida. Apesar da negativa dele em assumir um compromisso formal com ela, eles mantêm um relacionamento antigo, no qual não apenas o sexo cumpre um papel importante. Como pesquisadora das literaturas e culturas magrebinas, especialista em literatura do exílio e da migração, ela parece conhecer melhor tais culturas que ele próprio, uma vez que seu conhecimento não decorre de uma relação apenas visual ou física com a região, mas da leitura crítica de uma série de pensadores e escritores.

Uma das promessas do narrador, uma vez concluído o romance que está escrevendo, é escrever uma tese de doutorado, sob orientação de Mayte, com o título Narrar al otro siendo el otro, onde pretende discutir a literatura dos filhos da imigração magrebina na Europa. Boa parte dessa literatura não combate o discurso orientalista, aquele que os encerra em uma cultura atávica, primitiva. Segundo o narrador, e o romance é uma espécie de discussão desse tema, estes escritores se submetem a esse discurso e reproduzem em seus escritos o discurso dicotômico Oriente-Ocidente. Contra essa forma de pensar dispara o romance de Moussaoui. E o “não” do título, pretende ser a negativa principal disso.

Alguns fragmentos do romance, dentro do jogo autoficcional e ao mesmo tempo metaficcional que constitui o romance, tratam de suas atividades como professor na Universidade de Barcelona, onde ministra seminários sobre a “Literatura do outro”, cujo principal pilar teórico são as complexas reflexões de Edward Said, especialmente a partir de Cultura e Imperialismo. De acordo com as conclusões do narrador em seus seminários, se alguém é reacionário, seja de onde for, não terá condições de entender o pensamento de Edward Said: poderá interpretá-lo de modo equivocado ou aplicar de modo perverso, mas entender jamais. Disso decorre que muitas vezes Said é mal interpretado pelos muçulmanos: contra isso se levanta o narrador-professor, nesse romance-ensaio que é No.

Em um dos seminários, para introduzir as ideias de Driss Chraïb, em seu livro O passado simples, que sacode o tradicionalismo magrebino, ele pede que os alunos leiam textos curtos de Mohamed Al Yabri e Abdellah Laroui, para constatar como esses dois importantes intelectuais marroquinos debatem a tradição de sua cultura. O centro da discussão é abordar a tradição como algo histórico e não como uma realidade absoluta que transcende a história. É necessário um pensamento moderno que vença a lógica regressiva e circular na qual está imerso o pensamento árabe e a atitude de fechamento sobre si mesmo como reação a uma interação com a cultura europeia. Em suma, a necessidade de discutir o pior dos males da cultura árabe atual: sua ruptura com o pensamento racional. É necessário superar um lugar comum do pensamento árabe tradicional: se a democracia é uma invenção ocidental, é preciso ser contrário a essa lógica reivindicando o Islã. No entanto, de acordo com Laroui, a democracia é uma conquista para a qual contribuiu toda a humanidade e, portanto, deve beneficiar a todos.

Desse modo, a luta do romance se faz em duas frentes: de um lado, tentar combater as ideias radicais, fechadas em si, pegadas à tradição por uma leitura que não leva em conta a própria história, fazendo com que setores da cultura árabe promovam um diálogo com o Ocidente, especialmente em relação a ideias de abertura cultural, política e econômica. A consideração do indivíduo e dos valores democráticos talvez seja a pior delas. Por outro lado, o romance também luta para que o Ocidente penetre com mais profundidade na cultura muçulmana, deixando de cultivar estereótipos que impedem uma verdadeira aceitação do outro, primeiro passo para uma integração efetiva, onde cada identidade seja entendida e respeitada.

Saïd El Kadaoui Moussaoui, o psicólogo jornalista agora também escritor, em sua apresentação, no final da obra, ou seja, na imagem de si que ele quer passar para o leitor, considera que a principal fonte de conhecimento são as conversas com os amigos, sobretudo aquelas que podem se estender durante horas, e são acompanhadas de boa comida e boa bebida. Em outras palavras, podemos considerar tais conversas como se fossem reedições daqueles simpósios da tradição grega. O próprio romance-ensaio representa isso.

Constata-se assim que, apesar de poder parecer o contrário, o romance de Moussaoui representa uma interessante vertente da narrativa espanhola contemporânea que certamente interessará a vários nichos de leitores brasileiros. O livro sinaliza para um rumo diferente da narrativa, esse gênero multifacetado.

Neste caso, mostra o pensamento de um escritor espanhol de origem marroquina, integrado à Catalunha, que escreve em castelhano e em catalão. Trata do trânsito cultural, situação do mundo globalizado que rompeu tantos as antigas fronteiras geográficas, fazendo com que grandes contingentes humanos abandonassem suas terras de origem para fixar-se em lugares onde pudessem alcançar o bem-estar econômico e social. Isso faz implodir as antigas fronteiras linguísticas e culturais, por mais que setores conservadores e tradicionais se aferrem em sua defesa.

É sempre interessante saber como se desenha a realidade cultural de uma Barcelona multicultural à qual já se integram grandes contingentes de filhos e netos de imigrantes magrebinos que abandonando suas línguas e culturas originais escrevem não apenas no catalão, língua local e regional, como também, e ao mesmo tempo, no castelhano mais universal da capital do império. A edição de No, de 2016, se faz tanto em catalão quanto em castelhano, ambas pela pluma do próprio Moussaoui.

No entanto, poderíamos dizer que, talvez mais importante que esses motivos arrolados, mais que pela produção do livro em si, interesse ao público brasileiro, sua temática. A discussão da cultura muçulmana em contraponto com a cultura ocidental, superando os maniqueísmos causados pela divulgação usual dos meios de comunicação, é sempre um ponto de interesse ao público em geral.

Como diz Edward Said, citado no romance, muito raramente no Ocidente se leem artigos informativos sobre a cultura islâmica. Apenas quando explode uma bomba ou quando os Estados Unidos recebem uma ameaça, ou quando o Estado Islâmico comete uma de suas atrocidades, poderíamos acrescentar, o Islã merece alguma atenção. E geralmente de modo estereotipado, simplista e maniqueísta. Portanto, a publicação do livro de Moussaoui vem suprir essa lacuna que também existe no mercado brasileiro.

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