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CAMINHO A TRINIDAD
Título: Camino a Trinidad
Autor: José Andrés Rojo
Leitora: Livia Deorsola
Primeiro romance de José Andrés Rojo, Camino a Trinidad fala de uma época histórica precisa – a das utopias socialistas dos anos 1970 –, mas não só: sabiamente, o autor costura os anseios políticos de uma geração com as questões pessoais mais recônditas de seu narrador. Depois de ver de perto a miséria social e as fendas políticas da América Latina profunda, o protagonista não consegue se libertar completamente da experiência.
A partir de uma construção temporal que une passado e presente, a história trata de um grupo escolar de amigos que, durante a ditadura de Hugo Bánzer, empreende uma viagem por um rio amazônico na porção boliviana, o Chapare, desde Puerto Villarroel até Trinidad, em 1977. Fascinados com a ideia da revolução nos moldes em que se deu a cubana, eles querem dar curso à guerrilha interrompida com a morte de Che Guevara em solo boliviano.
Decorridos mais de trinta anos daquela aventura, o narrador quer refazer o trajeto para tentar entender o que aconteceu com um de seus amigos e companheiro de viagem, Nicolás, desaparecido pouco tempo depois, nas águas do Caribe. A busca pelo passado se revela também uma investigação emocionante sobre os ideais e ilusões daquela época, em que a vontade de transformar o mundo era um poderoso motor. Diante dos destroços do que foi a fracassada guerrilha de Teoponte (no norte de La Paz; aí se faz importante a obra de Rodríguez Ostria sobre o episódio), o narrador experimenta, in loco, a morte cruel de utopias coletivas e pessoais.
Enquanto vai reencontrando pessoas que marcaram a primeira jornada, reflete sobre as circunstâncias que levaram Nietzsche a escrever Assim falou Zaratustra, em que a loucura final do protagonista se une ao ocaso dos ideais juvenis que ele vivencia. O livro é tomado da biblioteca de um personagem espectral na narrativa: tio Pepe, um jornalista crítico do comunismo, que se levanta todos os dias às cinco da manhã, e não é muito bem quisto pela família.
Com a reedição da empreitada, o relato traz à tona até mesmo acontecimentos históricos que antecedem a luta política dos anos 1970, pouco conhecidos no Brasil: a guerra do Pacífico, entre Peru e Chile, no século xix, que tirou da Bolívia a saída para o oceano.
Essas muitas camadas sobrepostas – a histórica e a privada – nos interpelam no tempo presente: afinal, quem éramos e quem sonhávamos em ser quando éramos jovens? O sonho revolucionário que dá em nada, a cultura revolucionária que teima em permanecer por algum tempo, a descoberta dos limites individuais, as perdas pelo caminho; depois o balanço de tudo, a aritmética da vida que vai esvaziando-nos de resultados: está tudo ali, plasmado em experiências e recordações autobiográficas do autor. No final, ele escreve: “Cuando se sabe que no hay remedio para algunas cosas, entonces quizá se entiende que todo es provisional”.
Uma bela e melancólica história, feita de viagens e descolamentos internos e de emoções contidas, que nos aproxima, nós, brasileiros, das experiências latino-americanas que pouco chegamos a conhecer, mas que não se diferenciam muito da nossa, tanto em termos históricos quanto, em muitos casos – o de uma geração inteira –, pessoais.